Como normalmente acontece nos aprendizados que nos são úteis, antes de começar a disciplina, algo já me incomodava com relação às avaliações nos cursos que eu criava: eu já achava que elas não deveriam ser apenas uma experiência tensa para o aluno, coroada por um prêmio ou um puxão de orelha. Intuitivamente, eu já havia decidido sempre, ao menos, utilizar uma perspectiva nova sobre o tema ao construir o enunciado de uma questão, acrescentar algo ao aprendizado.
Logo ao iniciar a leitura de Jorge Pinto, em seu “Avaliação em Educação: da linearidade dos usos à complexidade das práticas”, percebi que não estava sozinho em minha inquietação e que a temática avaliação estava em franca transformação na área de educação.
Desde a avaliação como medição, baseada no positivismo, para fazer testes e fornecer input para processos de administração escolar das escolas públicas de massas e certificação, a avaliação vem, num processo de construção social, se moldando a uma intervenção reguladora da aprendizagem, baseada no paradigma construtivista, em que informações são coletadas conforme critérios de um objetivo previamente definido, para uma tomada de decisão, e isso fica mais claro quando se pensa na avaliação exercendo funções sociais, em resposta a pedidos sociais, saindo da escola para a organização do trabalho (De Ketele, 1981, Barlow, 1992 apud Pinto, no prelo).
Para (Perrenoud, 2001 apud Pinto, no prelo) as decisões passam a ser tomadas articuladas com critérios específicos das três funções da avaliação de (Cardinet, 1983 apud Pinto, no prelo): a regulação dos processos de ensino-aprendizagem sustentada por uma avaliação formativa; a certificação como avaliação científica; a seleção/orientação transformada em avaliação de diagnóstico e prognóstico que sustenta as decisões sobre o futuro próximo do aluno, em termos das competências necessárias para níveis subsequentes. E Pinto (no prelo) salienta que essas funções se vinculam diretamente à evolução da sociedade, dos sistemas de ensino, das suas relações com o mundo do trabalho, o que me confirma que eu, sendo um instrutor de universidade corporativa, capacitando alunos já do “mundo do trabalho”, estava, mais ainda, certo em minhas inquietações, pois eu devia buscar recuperar o tempo perdido na formação, já defasada, de meus alunos, adultos e exercendo atividades profissionais.
E assim chega-se ao momento atual da avaliação: uma interação social complexa, que (Guba e Lincoln,1989 apud Pinto, no prelo) chamam de “quarta geração da avaliação, em que a avaliação sumativa, baseada no aluno passivo e no professor e saber ativos, da situação pedagógica ilustrada no triângulo de (Houssaye, 1993 apud Pinto, no prelo), dá lugar à avaliação formativa, do professor e aluno ativos, em que seu inter-relacionamento é essencial e permite ao professor gerir o programa, ajustando as condições de aprendizagem e ao aluno reconhecer seus pontos fracos e ser capaz de encontrar meios para ultrapassá-los através de seu próprio envolvimento (Nunziatti,1990 apud Pinto, no prelo), sendo protagonista de sua própria avaliação (Pinto & Santos, 2006 apud Pinto, no prelo).
Fica faltando a tecnologia! O que, para mim, trouxe de volta as deliciosas reflexões do início do mPel: Castells, Pierre Levy, Baudrillard, ao ler a abertura do “Desafios da Avaliação Digital no Ensino Superior” Amante,L.;Oliveira,I.;Pereira,A.(2017), que ressalta a abrangência do “desafio para a participação ativa na sociedade do conhecimento” para logo em seguida focar no “pensamento sobre os modelos e processos de avaliação das aprendizagens nos contextos emergentes da sociedade em rede”.
Fazendo a ligação, resta assumir que tais modelos têm que ser mediados por tecnologias e têm que acompanhar o mercado laboral, que depende de uma capacitação do profissional baseada no desenvolvimento de competências para a resolução de problemas, em que os contextos são complexos, inesperados e constantemente sujeitos à inovação e à mudança, como a sociedade em rede.
E que tecnologias são essas? Os ambientes digitais nos quais o estudante entra ao usar telemóveis, tablets e notebooks: bibliotecas virtuais, blogues, wikis, agregadores e marcadores sociais, redes sociais, mundos virtuais imersivos, etc (Kesim & Agaloglu, 2007 apud Pereira et al,2015).
A associação da necessidade de avaliar competências com o uso intensivo da tecnologia fornece a base para a Avaliação Alternativa Digital, em que prevalece a construção pessoal em substituição à atividade pré-formatada, com avaliação do professor, mas também do próprio aluno ou de seus pares (Pereira et al, 2015). A avaliação de competências exige a elaboração e produção explícita por parte do aluno (Bolivar, 2011 apud Pereira et al., 2015).
A essa altura dos meus estudos, eu já estava a pensar em como construir na prática, uma alternativa digital de avaliação, e a solução veio de Pereira et al (2015), em que vários conceitos foram agregados em quatro dimensões: autenticidade (ligada à sociedade), que garante tarefas de avaliação relacionadas com contextos do mundo real; consistência (ligada ao professor), que foca no alinhamento das competências a avaliar com as tarefas instrucionais e estratégias e critérios de avaliação; transparência (ligada ao aluno), que dá visibilidade aos modos de avaliação utilizados e envolve o aluno nas tarefas online; e, finalmente, praticabilidade (ligada à instituição), que valoriza a eficiência e sustentabilidade das estratégias de avaliação, cujo acrônimo PrACT, se extrai da leitura do “Cultura de Avaliação e Contextos Digitais de Aprendizagem: o modelo PrACT” de Amante,L. et al (2017).
Outros tópicos complementaram a excelente e prática estrutura conceitual da disciplina, como as essenciais rubricas analíticas e holísiticas, para citar apenas um exemplo.
Posso dizer, ao final, que meu incômodo inicial foi resolvido: tenho o “caminho das pedras”.
Referencial teórico
Amante,L.;Oliveira,I.;Pereira,A.(2017). Cultura de Avaliação e Contextos Digitais de Aprendizagem: O Modelo PrACT. In Revista Docência e Cibercultura. Vol.1, n.1(135-150) https://repositorioaberto.uab.pt/handle/10400.2/7266.
Pereira, A., Oliveira, I, Tinoca, L., Pinto, M. C., Amante, L. (2015). Avaliação alternativa digital: conceito e caracterização em contextos digitais. In Desafios da avaliação digital no Ensino Superior. Lisboa: Universidade Aberta (6-34).
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